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A litografia de São João de Itaborahy (1846)

05/05/2015

Gilciano Menezes Costa

Fonte: Jornal Ostensor Brasileiro (1846)

Situado na parte Leste do Recôncavo da Guanabara, o município de Itaboraí tem sua formação territorial no desfecho das divisões político-administrativas ocorridas na Vila de Santo Antônio de Sá e, posteriormente, na incorporação da Vila Nova de São José Del Rei pela Vila de São João de Itaborahy, quando esta última foi criada em 1833.

Intitulada “São João de Itaborahy”, a imagem analisada nesse texto foi publicada em 1846, no Jornal Ostensor Brasileiro, [1] em uma das primeiras crônicas do Itaborahyense Joaquim Manuel de Macedo. É uma litografia [2] produzida pelo suíço Pedro Ludwig em sua oficina localizada no centro do Rio de Janeiro [3]. Até o momento, não se sabe quem pintou a imagem, apenas quem reproduziu em uma litografia.

A pintura buscou registrar parte do cotidiano da sede política-administrativa da Vila de São João de Itaborahy. As principais construções na imagem eram a Câmara Municipal, à esquerda; o teatro, no meio e ao lado da entrada de uma rua; e a Igreja de São João Batista na parte direita da imagem.

Ainda que se tenha o cuidado de não afirmar, com ênfase, que o negro não foi retratado na imagem, devido a certa precariedade na resolução dos personagens, é visível que sua presença não foi priorizada. Diante disso, vale ressaltar que certamente a circulação de negros na região era corriqueira, sejam eles escravos ou libertos. O que confirma isso são algumas estatísticas demográficas elaboradas na primeira metade do século XIX.

Para se ter uma ideia da expressiva quantidade de negros na região onde a imagem foi produzida, ainda que focando nos escravos, (visto a dificuldade de se obter registros demográficos dos libertos nesse período) e direcionando para a Freguesia de São João Batista de Itaborahy e não o todo da Vila, a região em 1821, quando comparada com o todo da Capitania do Rio de Janeiro, possuiu o segundo maior percentual de presença escrava em relação ao total da população por freguesia.

Sua população absoluta, nesse período, era de 11.081, com 4.517 livres e 6.564 escravos, tendo desta forma um percentual de 59.2%, ficando atrás apenas de Rio Bonito, que alcançou 81% [4].

Para o ano de 1840, próximo ao ano que a litografia foi produzida, a quantidade de escravos da freguesia continuou sendo maior do que o da população livre, na medida em que a freguesia de Itaborahy alcançou um total populacional de 15.943, com 7.390 livres e 8.553 escravos [5].

O período entre o último quartel do século XVIII [6] e 1840 representou o momento de contínuo crescimento da população total e principalmente da população cativa na região. Tal contexto é acompanhado também de um contínuo crescimento econômico local [7], o que viabiliza supor que tal crescimento estimulou a compra de mais escravos para Itaboraí durante esse período [8]. A partir de 1850, esse contexto de crescimento populacional acompanhado de um expressivo aumento da população cativa se altera.

Desta forma, diante desta breve análise demográfica da primeira metade do século XIX, ainda que focando na freguesia e não no todo da Vila, torna-se possível descartar qualquer possibilidade de não existir, nesse momento em que a obra foi produzida, a circulação de negros na sede administrativa e política da Vila de Itaborahy, o que gera a interpretação de que o provável silenciamento da presença do negro na imagem possivelmente foi acompanhado de intenções.

 

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Fontes e Bibliografia:


[1] Esse jornal representa um valioso material para a obtenção de fontes iconográficas, na medida em que publicou diversas imagens de diferentes regiões. Disponível em: < http://bndigital.bn.br/artigos/ostensor-brasileiro-jornal-litterario-e-pictoreal/>. Acessado em: 01/05/2015.
[2] Técnica de gravura que envolve a criação de marcas (ou desenhos) sobre pedra calcária (matriz) com um lápis gorduroso.
[3] Pedro Ludwig era sócio de Frederico Guilherme Briggs quando a obra foi produzida. Outra oficina de litógrafos que também era requisitada, nesse período, pertencia aos sócios Heaton & Rensburg. A coexistência dessas oficinas e a pouca quantidade de obras sobre o tema contribuíram para que algumas leituras equivocadas ocorressem, dando os créditos da litografia de São João de Itaborahy à Heaton & Rensburg e não a Pedro Ludwig. Assim como fiz em minha dissertação, na página 137, tal equívoco também é encontrado no catálogo do acervo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Para saber mais ver: COSTA, Gilciano Menezes. A escravidão em Itaboraí: Uma vivência as margens do rio Macacu (1833-1875). Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 2013. CUNHA, Lygia da Fonseca Fernandes da, 1922-2009. O acervo iconográfico da Biblioteca Nacional / estudos de Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha, 2010.
[4] Mapa da população da Corte e Província do Rio de Janeiro em 1821. RIHGB. 1870. Tomo XXXIII. p138.
[5] Relatório do Presidente de Província do Rio de Janeiro. 1840.
[6]Ver: COSTA, Gilciano Menezes. Op, Cit. p. 75.
[7] Ver: Idem, p. 152.
[8] Esse contínuo crescimento populacional da freguesia, nesse período, reforça o argumento de que o impacto das “Febres de Macacu” em 1829, e de outras epidemias no decorrer da primeira metade do século XIX, não atingiu em mesmas proporções toda área do Vale Macacu, na medida em que não houve diminuição da quantidade de habitantes em Itaboraí, ao contrário da freguesia de Santo Antônio de Sá.

 

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Gilciano Menezes Costa é Professor de História e  Filosofia na rede estadual em Itaboraí, Professor de Cursos preparatórios para o Vestibular, Mestre em História Social (UFF) e autor da obra "A escravidão em Itaboraí: Uma vivência às margens do Rio Macacú (1833-1875)"

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